"Quando eu era criança e pegava uma tangerina para descascar, corria para meu pai e pedia: – “Pai, começa o começo!”. O que eu queria era que ele fizesse o primeiro rasgo na casca, aquele mais difícil e resistente para as minhas pequenas mãos. Depois, sorridente, ele sempre acabava descascando toda a fruta pra mim. Mas, outras vezes, eu mesmo tirava o restante da casca a partir daquele primeiro rasgo providencial que ele havia feito.
Meu pai faleceu há muito tempo e não sou mais criança. Mesmo assim, sinto grande desejo de tê-lo ainda ao meu lado para, pelo menos, “começar o começo” de tantas cascas duras que encontro pelo caminho.
Hoje, minhas “tangerinas” são outras. Preciso “descascar” as dificuldades do trabalho, os obstáculos dos relacionamentos com os amigos, os problemas no núcleo familiar, o esforço diário que é a construção do casamento, os retoques e pinceladas de sabedoria na imensa arte de viabilizar filhos realizados e felizes, ou então, o enfrentamento sempre tão difícil de doenças, perdas, traumas, separações, mortes, dificuldades financeiras e, até mesmo, as dúvidas e conflitos que nos afligem diante de tantas decisões e desafios que enfrentamos."
Em certas ocasiões, minhas tangerinas transformam-se em enormes abacaxis. Faz parte.
Felizmente o meu pai está vivo. Pude agradecer a ele o fato de compartilhar mais essa história, refletir comigo sobre os problemas da vida e descascar tantas tangerinas e tantos momentos delicados através da nossa intimidade emocional. Agradecer, sobretudo, por me ensinar que sempre existe um jeitinho muito especial de começar o começo, acreditar!
Agradecer, sobretudo, por me ensinar que sempre existe um jeitinho muito especial de começar o começo, acreditar!
Aliás, que bom que existem as tangerinas.
- Lígia Guerra -
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